É tudo uma questão de perspetivas…
A vida tem formas estranhas de chegar a nos, de se mostrar, de nos fazer evoluir, crescer.
No verão de 2018 estava a passar por uma crise pessoal bem profunda, daquelas que não sabes bem onde, quando e se vai acabar… Tinha um retiro solitário programado, nas minhas queridas montanhas italianas, onde me sinto em casa, onde me sinto mais ligada, conectada comigo mesma. As minhas meninas iam ficar seguras e felizes com la cara nonna. Tinha refúgios marcados e uns quantos dias de caminho sozinha, sem rede, sem mais ninguém, para poder estar comigo e refletir, meditar, sentir-me, poder ser. Mas a vida ouviu a minha necessidade, a minha disponibilidade, o meu pedido e tinha um programa bem melhor para mim, uma surpresa. Na noite antes de arrancar, senti-me muito mal e fui ás urgências…e lá percebi que o meu retiro ia ser bem diferente do que tinha planeado. Primeiro surgiu a negação “Isso não me está a acontecer”, a seguir veio a raiva “A mim??? Que como saudável, que ia para um retiro, que cuido com tanto amor das minhas filhas..??” Depois fui a vez da negociação “Vou assinar e vou sair daqui, ninguém sabe cuidar tão bem de mim como eu…e se depois não correr bem?…” Decidi ficar. Ficar, render-me, entregar-me ao que a vida me estava a dar. Largar tudo, as expectativas, o ilusório controle. E ai veio a tristeza, as lagrimas, a solidão, embora tivesse pessoas em todo a minha volta. Eu queria solitude, com controle…ai tinha perdido isso tudo.
Fui operada de urgência a um rim. Fiquei internada 15 dias, depois 3 semanas em casa e a seguir nova operação.
Foi assim que a minha paisagem mudou a perspetiva: de um sonho de dura mas linda caminhada nas “minhas” montanhas, para um quarto no hospital de Turim partilhado com mais pessoas. Onde não me conseguia levantar sozinha, onde as minhas funções vitais eram muito reduzidas. Podia entrar num drama, revoltar-me. Mas decidi entregar-me, render-me e aceitar. Aceitar que ia ser cuidada, que a minha família ia cuidar das minhas filhas e elas estavam seguras. Nunca tinha percebido tão profundamente, sentido no meu corpo, no meu sangue, o que significa aceitação. É um lugar de paz. Onde tudo ganha uma nova e apaziguadora perspetiva. Deixou de não haver distinção entre mim e a montanha pela qual tanto ansiava. Eu era a montanha, a montanha era eu. Não precisava de ir a lado nenhum, de me mexer. Tudo o que é preciso está dentro de mim.
E foi o melhor retiro da minha vida. O que mais me custou, me transformou, mais enriqueceu.
Essa experiencia, assim como outras que a vida me “presenteou”, ajudam-me hoje em dia a ter outras perspetivas quando as coisas não vão “exatamente” como eu tinha pensado. Essa altura do covid-19 é uma delas. Para mim, segundo a minha perspetiva, esse momento é um luxo. E eu sinto-me grata por ter vivido tudo que já vivi, da forma como o vivi e não em vitimização ou “escrava das emoções”. Sinto-me grata por conseguir ver e viver aspetos muito positivos e benéficos dessa “pandemia”, embora possam custar e doer. A dor e o prazer fazem parte da vida, ambas são necessárias para a evolução, isso é visível, palpável desde o nascimento, no parto, para a mãe e para o filho. Precisamos dessa dualidade. Como me disse um dia a minha filha “ Como podia saber do que não gosto se gostasse de tudo?”.
Nos somos o exemplo para os nossos filhos e eles veem e percecionam o mundo através dos nossos olhos.
As nossas perspetivas são mesmo nossas? Ou vêm da forma como fomos educados?
Não quero desperdiçar esse tempo, quero aproveita-lo. Quero passar por ele e não que ele passe rápido por mim.
Não quero que a vida passe por mim, quero vive-la, com toda a paixão que sinto dentro de mim!
No Comments